"Hay hombres que luchan un dia y son buenos
Hay otros que luchan um año y son mejores
Hay quienes luchan muchos años y son muy buenos
Pero hay los que luchan toda la vida
Esos son los imprescindibles"
(Bertolt Brecht)

sábado, 6 de fevereiro de 2021

RACISTA, O TRADICIONALISMO GAÚCHO NUTRE O BOLSONARISMO, DIZ HISTORIADOR


 “O hino do Rio Grande do Sul representa uma guerra protagonizada pelos latifundiários senhores de escravos. Escravagistas que tinham a ideia de praticamente não pagar imposto, não admitir a taxação da terra.  Esse hino é absolutamente verdadeiro. Ele diz que os exemplos a serem seguidos são os senhores de escravos, latifundiários, militares. Esse é o modelo para toda a terra. Esse hino é um escárnio a qualquer ideia civilizatória. Ele é arrogante, soberbo, odiento e absolutamente racista. O bolsonarismo se alimenta nesse tipo de cultura da violência. Não há conversa, há o relho, as armas, a valentia e assim por diante”.

Palavras do historiador Luiz Carlos Golin, o Tau Golin, em entrevista ao TUTAMÉIA.  Professor da Universidade de Passo Fundo e autor de vários livros sobre a história gaúcha (como “A Ideologia do Gauchismo” e “A Guerra Guaranítica”), ele falou sobre o protesto da bancada negra na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que, no dia da posse, em 1° de janeiro de 2021, se negou a cantar o hino gaúcho. Um dos versos diz: “Povo que não tem virtude, acaba por ser escravo”.

“O silêncio desses vereadores é de uma nobreza, de uma virtude espetacular. Silenciaram na sonoridade desse hino abjeto, anticivilizatório. A presença desse mundo injusto, racista, prepotente, soberbo, muitas vezes bagaceiro e violento veio à tona. É como se a civilização colocasse um distanciamento, olhasse para essa coisa aterrorizante, cuja sinfonia é a marcha do terror desse hino”, diz.

Nesta entrevista, Tau Golin trata da Guerra dos Farrapos, da trajetória política do Rio Grande do Sul e da construção da cultura do tradicionalismo gaúcho _que ganhou corpo com a expansão da indústria cultural, em meados do século 20. Descontrói mitos e revela a manipulação das classes dominantes na imposição de uma cultura violenta, machista e racista (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“O Rio Grande do Sul é muito complexo. O dominante que se dá na esfera do Estado, dos meios de comunicação, principalmente no rádio, na tv. É nojento.  É uma gente incapaz. São agregados desse imaginário estúpido. Cada rádio no Rio Grande do Sul tem no mínimo seis horas de programação com esse tipo de aberração. O que se mata de gente na música do Rio Grande do Sul! E é carga de lança, é talho de adaga, tiro de garrucha, todo mundo é inimigo. Não há interação com o cavalo. Cavalo se doma na porrada, no relho. Em grande número de canções, as mulheres, se não obedecem aos homens, ajoelham e choram. Eles imaginam cenas de amores e não tiram nem a espora. Esse tipo de coisa, que em qualquer país minimamente sensível, se o sujeito abrisse a boca, era preso por lesa humanidade. Isso tudo transita como manifestações da identidade que forma uma ideia de ethos dominante. É um imaginário que está não só no Rio Grande do Sul, mas fora e que se expressa em algo que espontaneamente se encontra em todo o Brasil: inscrições dizendo fora gaúcho”.

Para Tau Golin, o tradicionalismo está fortalecido, controlando aparelhos de Estado. “É completamente antirrepubicano. Departamentos de Estado têm sua invernada artística. Bancos, quartéis têm galpões. Na ditadura militar os, caras matavam, torturavam, sumiam com a pessoa, espancavam os estudantes, reprimiam a população. Depois, tiravam a farda, botavam a pilcha e iam churrasquear no galpão da sua unidade militar ou em CTGs. É a alienação materializada e arregimentada numa prática permanente anticivilizatória. A hegemonia do tradicionalismo é feita pelos brigadianos, pelos coronéis e oficiais da Brigada Militar. É uma cultura militaresca, miliciana”.

O historiador explica como foi a construção do tradicionalismo, que cria um mito em relação à estância escravocrata, absolutamente hierarquizada, que está introjetado na cultura dominante gaúcha. “Os ideólogos nomeiam as coisas, criam a ideia de espaços, abrangem tudo a partir do latifúndio. Acima do mundo terráqueo, há o céu, que passou a ser chamado a estância do céu. O dono é patrão da estância do céu, o tropeiro que conduz é Jesus Cristo. A prenda é a Virgem Maria”.

Na realidade, antes dessa construção, as mulheres, por exemplo, nunca tinham sido chamadas de prenda. “O tradicionalismo é formado por homens. Onde colocar a mulher dentro dessa visão moral e social? Criam a categoria da prenda. Prenda é penduricalho, adereço, o chaveirinho que o homem carrega, o bibelô, o enfeite, o sujeito sem história. As mulheres populares no Rio Grande do Sul, que advêm das índias, de negros, mamelucos, eram a cabocla e a china. O tradicionalismo faz depurações arbitrárias e as institucionaliza. O menino chega na escola e é chamado de peão; a menina vai se vestir de prenda”.

Segue o historiador: “O Rio Grande do Sul é muito mais complexo do que esse hino, do que o CTG. O CTG é uma unidade de produção, uma propriedade privada, simbolizada culturalmente como modelo de sociedade humana. E uma força repressora e alienante extraordinária. E as pessoas não se dão conta disso. Há uma rusticidade, uma indelicadeza que impossibilita o humano em suas possibilidades de grandeza. São freios e amarras a bandeiras universalistas e civilizatórias”.

Tau aponta a existência de movimentos de resistência a essa cultura autoritária, racista, machista. “Há um Rio Grande do Sul em estado de letargia que se manifesta pontualmente na fronteira, na serra, nas missões, no litoral, nas comunidades quilombolas, nas cooperativas, nas escolas de samba. Há um Rio Grande do Sul prazeroso de se orgulhar. Um exemplo. O número de casas, de instituições afrodescendentes aqui é infinitamente superior ao número de CTGs. Mas elas não têm visibilidade e reconhecimento público”.

Nessa disputa política e cultural, o historiador vê caminhos:

“Esse embate não vai se dar unicamente nesse ambiente do regionalismo. É preciso ter universalidade. O que vai minar [o tradicionalismo] são as bandeiras humanistas, de direitos humanos, as grandes lutas pelos direitos dos indígenas, dos negros, do povo excluído em geral. É a necessidade do plural”.

 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Sobre o Hino do RS

As manifestações simbólicas, sejam hinos, bandeiras, brasões, escudos etc são representações ideológicas dentro da historiografia dos vencedores, não são entes “sagrados”, naturalizados como esse fossem obra de seres superiores, são feitos por pessoas de carne e osso. Pierre Bourdieu “defende a concepção de que as representações sociais são influenciadas pelas ideias, valores, crenças e ideologias existentes anteriormente em uma sociedade, e que se fazem presentes na linguagem que utilizamos para nos comunicar, nas religiões e no chamado senso comum que compõem o habitus de cada agente, e também as concepções que circulam entre os participantes dos campos sociais, grupos profissionais e classes sociais”.

Muitas dessas simbologias são produzidas sob encomenda, retratam a história da classe então dominante, e a cultura dessa classe torna-se cultura dominante em toda a sociedade. É um processo de introjeção de seus valores e da sua visão de mundo no conjunto da sociedade em que está inserida, abarcando todo o tecido social, inclusive, os dominados, que passam a ser seus reprodutores através do senso comum. Para Karl Marx: “As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante”.

Só para exemplificar, o Movimento Tradicionalista Gaúcho, o MTG, tem seu arcabouço teórico pautado, em grande parte, na Revolta Farroupilha, que foi um movimento liderado pelos fazendeiros, que utilizaram seus escravos com objetivo principal – NÂO PAGAR IMPOSTOS À UNIÃO - (são sonegadores atávicos). Essa revolta cantada em verso e prosa nada tem a ver com o interesse de pobres, negros, desgarrados, sem-terra, mas é cultuada, simbolicamente, por grande contingente desses, infelizmente, pois são produtos desse senso comum.

Essa revolta farroupilha é a mesma que armou a morte dos lanceiros Negros, em Porongos, crime racista abominável. Portanto, o hino reproduz esta ideologia de classe. Os negros que foram e são, em grande parte, vítimas disso, não têm nada para cantar e têm o direto de lembrarem seus mortos, durante um hino que esconde a verdadeira História. É preciso desnaturalizar os mitos.

Texto: José Ernesto Grisa




📌📜 SEMANA GAÚCHA... Contos Históricos do RS (conto VII)______CONTO FINAL______

 


No arreio do pertencimento social eles vão nos aquerenciando. Como o Tradicionalismo maneia nossas consciências. Eles não querem que você saiba!
_________ A Ideologia do Gauchismo!
A verdade histórica perde para os folcloristas. O Tradicionalismo age como cultura normatizadora, ele impoe-se e impõe seus valores de visão de mundo do latifúndio pampeano. O Tradicionalismo trabalha como indústria cultural, remodela-se junto à pos modernidade. Jovens vestindo nike e escutando músicos modernos também tem seus momentos de pilchas e de reprodução do brutal como sendo identitário. Colonos e descendentes de negros reproduzem uma cultura alheia a seus antepassados. Missas tem padres com suas "missas crioulas" e audiências do poder judiciário chegam ao ponto de serem feitas pilchadas. E o resultado é a exclusão de quem não se adequar !
Em 1954 o MTG impoe-se sobre o poder público. É criado o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. Em 1966 o Hino Farroupilha (esse que cantamos hoje) é tornado o hino do estado, em plena Ditadura Militar (o MTG teve estreita relação com os golpistas de 1964). Inclusive é em 11 de setembro de 1964 (menos de 6 meses depois do Golpe) que a Semana Farroupilha é criada por lei. Essa lei é complementada em 1989 com a imposição (em seu art. 2°) de obrigatoriedade de participação de escolas estaduais, municipais e particulares nos festejos gauchescos, transformando-as em intrumentos ideológicos do latifundiários e da bagualagem normativa. Nas proximidades do dia 20 de Setembro, escolas pararam para churrasquear em nome da memória do latifúndio, ou "lives gaudérias" em Pandemia!
E não há como negar que essa ideologia do Gauchismo interere em nossa visão de nós mesmos, de nossa visão do mundo das relações sociais, da Luta de Classes. Somos adestrados, mesmo que inconscientemente, a odiar o MST, os movimentos reivindicatórios, tudo que ameaça a hegemonia dos fazendeiros se torna nosso inimigo também. O pequeno produtor renega sua própria realidade. Alguns tentam reproduzir em suas chácaras e pequenas propriedades o sistema de produção do gado e de ovinos sem conseguir subsistir. Mesmo quando aderem a produção leitera e/ou de hortifrutigranjeiros (típicos para pequenas propriedades rurais) eles se veem como grandes proprietários ao abraçar o mesmos argumentos e preconceitos dos grandes proprietários estancieiros, assumem a identidade homogeinizadora de "Ruralistas" e os mesmos costumes do tradicionalismo. Em 2018 o ex presidente Lula fazia uma caravana pelo RS e em Bagé homens pilchados à cavalo agrediram à relhaços militantes do PT. Na semana seguinte a senadora Ana Amélia Lemos/PP dizia em um evento em PortoAlegre que àqueles eram "verdadeiros gaúchos".
O Gauchismo é racista em sua essência! Além de exaltar os ditos "heróis farroupilhas", todos militares estancieiros escravistas, o Movimento Tradicionalista tenta até hoje enterrar e tergiversar o Massacre de Negros Farroupilhas em Porongos no dia 14 de novembro de 1844. Até poucas décadas os negros advindos da peonada estancieira eram impedidos de entrar nos "Bailes gaúchos" dos CTGs frequentados pelas esposas e filhas de estancieiros. Um caso um tanto curioso foi a criação do CTG Lanceiros de Canabarro em Alegrete, criado pelo racismo mas batizado com homenagem ao estancieiro farroupilha que os entregou à morte em acordo com o Império Brasileiro. Até hoje o tradicionalismo tem certa "estranhesa" às manifestações de cunho afro-descendente, principalmente os religiosos e músicais.
Mas a marca mais indelével da ideologia do Gauchismo é o MACHISMO. O MTG criou a alcunha de "prenda" às mulheres, um adereço ao gaúcho que quando não se comporta como o tradicionalismo espera é alcunhada de "china". No dia 18 de setembro de 2019 o Alegrete viu um "desfile temático" que antecede o desfile dos cavalarianos de 20 de setembro. No Desfile Temático os tradicionalistas se "preocuparam" (a seu modo!) com a "inclusão da mulher" e as representou como costureiras, bordadeiras e varredouras do "rancho". Em outro carro alegórico do desfile temático as apresentou como tosadoras de ovelhas. E deu!
O termo "china" como sinônimo de "prostituta", assim como . . . Prenda, China, Chinoca, Tiangaça, Pinguancha
Na época da ocupação e demarcação territorial, que ocorreu durante os séculos XVI até o inicio do século XIX, as mulheres que existiam naquela região, muitas das quais índias roubadas e levadas à garupa em cavalos, eram tratadas como chinas, talvez devido aos traços dos olhos assemelharem-se com as asiáticas.
Os termos chinoca, tiangaça e pinguancha, são de origem espanhola e tem o mesmo significado de china. Posteriormente o termo china tornou-se sinônimo de prostituta, pois muitas dessas mulheres eram abandonadas e acabavam sem alguém que as cuidasse.
Já a palavra prenda é muito provável que tenha sido trazido ao Rio Grande do Sul pelos colonos dos Açores, pois naquele arquipélago lusitano é tradicional uma cantiga de tirana com o seguinte regrão:
""Tirana, atira, tirana,
Vem a mim, tira-me a vida:
A prenda que eu mais amava
Já de mim foi suspendida."""
Alguns historiadores atribuem ao tradicionalismo gaúcho a criação do vocábulo prenda para designar a mulher gaúcha de bons costumes, pura, honesta, ingênua e graciosa. Quando um CTG elege suas prendas, essas devem ter, além dos atributos femininos de delicadeza, beleza e dons artísticos, uma conduta exemplar e uma participação social restrita aos eventos culturais e projetos assistenciais, para melhor cumprir seu papel social na educação e transmissão dos valores morais e cívicos da mulher gaúcha. A Família Tradicional conservadora representada, mulher como "adereço" do "Gaúcho".
Essa é a ótica de "inclusão" do Tradicionalismo. Sua visão de "inclusão" não consegue ir além de ver a mulher como mantenedora do lar ou sua emasculação laboral. Uma das músicas fandangueiras mais clássicas das rádios e bailes gaúchos, com sua letra, que é de um machismo revelador do pensar tradicionalista:
(Música do grupo Tchê Garotos)
🎶Tava cansado de me fazer de bonzinho
Te chamando de benzinho de amor e de patroa
Esta malvada me usava e me esnobava
E judiava muito da minha pessoa
Endureci resolvi bancá o machão
Ai ficou bem bom agora é do meu jeito
De hoje em diante sempre que eu te chamar
Acho bom tu ajoelhá e me tratá com respeito
Ajoelha e chora ajoelha e chora
Quanto mais eu passo laço muito mais ela me adora🎵
Mas para além de machista, o gauchismo é HOMOFÓBICO em seu âmago. Na história já alcunhava os filhos de Pelotenses que voltavam do estudos na Europa de "abichornados" por adquirirem maneirismos mais educados de falar e agir. O Tradicionalismo sempre usou da "Pedagogia da Doma" para submeter àqueles que rompiam com sua visão brutalizada de sociedade. Os diferentes são tratados como animais chucros a serem domados. A diferença é aceita a base da piada e do deboche. E tão logo os diferentes queiram assumir protagonismo e não a submissa existência subserviente eles são alvo da "doma" por parte dos tradicionalistas. Foi assim em 2002 quando o advogado José Antonio San Juan Cattaneo, mais conhecido como Capitão Gay, foi agredido durante o desfile em homenagem aos 167 anos da Revolução Farroupilha, em Porto Alegre. Após o início do desfile o então governador Olívio Dutra, devidamente pilchado (traje típico) passar em revista a tropa de mais de mil homens, surge na frente do palanque das autoridades o advogado. Em trajes típicos, o Capitão Gay, retirando o chapéu, saúda o governador e logo após retira do bolso uma bandeira do movimento gay. Logo um cavalariano se aproxima e pergunta quem ele é, dando com o relho em suas costas. Mais seis cavalarianos se aproximam e começam a agredir o advogado a relhaços de tradionalistas ensandecidos. Quase todo o estado apoiou tal ação. Em 11 de setembro de 2014 o ódio homofóbico do movimento tradicionalista se volta contra si mesmo: no início da madrugada tradicionalistas raivosos colocam fogo no CTG Sentinelas do Planalto em Santana do Livramento. Tudo porque o patrão daquele CTG iria cediar 29 casamentos em um casamento coletivo onde um dos casais era um casal homoafetivo.
É inegável que o Movimento Tradicionalista cria uma ideologia do Gauchismo que embota o tecido social com seus preconceitos imanentes e estruturas psicológicas e comportamentais impositivas. Tudo para manter-nos a cabresto na manutenção de uma sociedade favorável ao reinado de um mundo estancieiro, hoje chamado de ruralista, que, por exemplo, foi decisivo na Vitória de Jair Bolsonaro nos votos do estado.
Será que nos libertaremos destas imposições e seremos um povo realmente livre no pensar e nos costumes? Quando poderemos conviver de forma honesta com nosso passado escravista sem cantar um hino que desrespeita os negros com seu refrão "povo que não tem virtude acaba por ser escravo"?? Quando vamos conviver com as diferenças sem querer impor normativas animalescas?
Ninguém precisa ser domado!
Termino com a belíssima letra da música "Herdeiros da Pampa Pobre" de Vaine Darde, interpretada pela banda Engenheiros do Hawaii:
🎶Que pampa é essa que eu recebo agora
com a missão de cultivar raízes
se dessa pampa que me fala a história
não me deixaram nem sequer matizes?
(...)
campos desertos que não geram pão
onde a ganância anda de rédeas soltas
(...)
porque eu não quero deixar pro meu filho
a pampa pobre que herdei de meu pai
herdei um campo onde o patrão é rei
tendo poderes sobre o pão e as águas
onde esquecido vive o peão sem lei
de pés descalços cabresteando mágoas🎵
Éric Vargas
: Professor de História e Filósofo

📌📜🐎 SEMANA GAÚCHA... Contos Históricos do RS (Conto VI)

 



Uma memória reavivada em centenário da "Revolução" Farroupilha e o Paixão e seu romantismo pelo passado que conquistou nossas mentes à serviço do mundo estancieiro!
Em 1935, Porto Alegre tinha apenas 300 mil habitantes. O lago Guaíba chegava na beirada de onde hoje passa a Av. Borges de Medeiros. O governador era o aliado de Getúlio Vargas, Flores da Cunha, que em conjunto com seu secretário, o industrial Alberto Bins, e o presidente da FARSUL, Dário Brossard, organizaram uma Feira Gigantesca no parque na então chamada Várzea da Redenção. Seria uma exposição para comemoração do Centenário da "Revolução" Farroupilha. Os jornais foram a loucura. A comemoração foi grandiosa! Eram 17 Enormes Pavilhões de países, mais 7 de estados, fora o enorme pavilhão do Rio Grande do Sul. A Exposição recebeu mais de 1 milhão de visitantes em seu período de duração, que foi de 20 de setembro de 1935 até 15 de janeiro de 1936 (ano das olimpíadas em Berlim/Alemanha Nazista). Tal enormidade de evento, vai relançar a imagética popular acerca da memória, não real, do que significou realmente a ""Revolução"" Farroupilha.
No ano de 1948, o tradicionalismo se reorganiza por meio de um movimento iniciado no colégio Júlio de Castilhos. Liderado por Barbosa Lessa e Paixão Cortes, tinha por objetivo organizar, criar um clube de apologia às ditas “tradições gaúchas” mais abertos que os clubisticos Grêmios Gaúchos anteriores. Deste movimento, surgem os CTGs, os Centros de Tradições Gaúchas, que em sua organização já demonstram uma estrutura administrativa que imita a estrutura de poder da estância. Esta estrutura tem, por exemplo, como principal diretor o patrão, seguido do capataz, este do sota capataz e depois pelos posteiros. Em um primeiro momento, os militares presentes nestas organizações eram somente da brigada militar, pois o separatismo vicejava no imaginário inicial, mas o MTG/CTGs soube se aliar à Ditadura Militar (1964---1985) e cada unidade militar sediada no RS adotou um "Galpão Crioulo". O Movimento Tradicionalista conseguiu se impor sobre a cultura popular e dar seu rumo ideológico ao impor a ideologia conservadora, preconceituosa e de exaltação do comportamento violento como sendo identidade imanente à todo riograndense. Pegou elementos culturais herdados dos indígenas como o chimarrão (erva mate era uma erva sagrada Guarani) e dos habitos dos indígenas pampeanos como os charruas no que tange o chiripá e a arte de cavalgar em perfeita sintonia com o animal. A Boleadeira também é indígena, a a bombacha é imposição mercadológica do Imperialismo Inglês de sobras que eram uniforme para o exército turco que não vendeu. O Folclorista Paixão, falecido em agosto de 2018, copiou danças folclóricas uruguaias e transmutou-as a nosso cotidiano. O Tradicionalismo é uma miscelânea do real, do irreal, de manipulações de significados e interpretações.
Não é porque determinadas práticas e representações sejam encontradas no “povo”, isto é, nas classes subalternas, que elas são do povo. A cultura popular , ao contrário do que muitos querem, não é composta apenas de elementos de resistência, mas é também composta de elementos de conformismo.(FONSECA, 1994, P.59)
O TRADICIONALISMO pega elementos reais da cultura popular, herdados de geração em geração, que são elementos da vida simples e das heranças indígenas, que são todos colocados a serviço da construção da "herança" folclórica de um passado reacionário de apologia ao latifúndio explorador. Embotando assim a cultura popular e nublando a própria compreensão histórica de nosso passado. O TRADICIONALISMO É FOLCLORE, foi criado por folcloristas, mas NÃO É HISTÓRIA!
E um dos elementos simbólicos mais vivos de permeabilidade do tradicionalismo como elemento que molda nossa mente e impregna essa identidade é o monumento do Laçador. Inaugurado em 20 de setembro de 1958 e em 1992 tornado símbolo de Porto Alegre, o monumento é onde convergem protestos, de pedidos de impeachmet da ex governadora Yeda/PSDB até outros mais humorados. Mas nada tem de humor quando se pensa no conservadorismo que essa visão de mundo latifundiária enseja no estado via aculturação do bruto, da "Pedagogia da Doma".Nas letras da música nativista que não se rendem ao embotamento tradicionalista, está a letra e música de Noel Guarany, "Potro sem Dono", que trás uma letra reveladora:
🎶Vai potro sem dono, vai livre como eu.
Se a morte lhe faz negaça,
Joga a vida com a sorte.
Despresando a própia morte,
Não se prende a preconceito.
Nem mata a sede com farsa,
Leva o destino no peito.
Na seiva da madrugada,
Vai florescendo a canção.
Aquece o fogo de chão,
Enxuga meu pranto de ausência,
Nesta guitarra campeira,
Velho clarim da querência.🎵
Éric Vargas
: Professor de História e Filosofia da rede pública estadual do RS.

domingo, 3 de janeiro de 2021

📌📜 SEMANA GAÚCHA... Contos Históricos do RS (conto V)

 

Por, Eric Vargas: Professor de História

Militares e fazendeiros, os herdeiros do latifúndio escravista pariram seu filho:
O TRADICIONALISMO. Muito antes do MTG!
No ano de 1898, é fundado em 22 de maio, na cidade de Porto Alegre, o 1° Grêmio Gaúcho. É a data oficial de nascimento do Tradicionalismo, Inspirado nas idéias do Partenon literário e nas Sociedades Crioulas que existiam no Uruguai, João Cezimbra Jacques, um major, republicano e positivista, cria essa entidade com o intuito de cultuar as tradições gaúchas, tendo como herói e símbolo máximo, o general da revolução Farroupilha, Bento Gonçalves da Silva (assim sendo, o símbolo máximo deste movimento era um militar/latifundiário). O papel dos Grêmios Gaúchos seria de "reviver os bons costumes antigos e cultuar as grandes datas cívicas do RS", tudo dentro da visão Positivista, elitista e militarizada do conservadorismo que além disso só admitia pessoas que soubessem ler (algo um tanto difícil na época no RS) e que tivessem postos importantes na sociedade. Vários Grêmios Gaúchos foram fundados pelo estado: Pelotas (1899); Santa Maria (1901); Santa Cruz e Encruzilhada (1902); São Leopoldo (1938); Ijuí (1943). Nesta época da fundação do último já surgia o CTG moderno que ligado ao MTG levava às massas a aculturação fechada dos Grêmios Gaúchos. Era o início da imposição à todo o povo Riograndense da visão de mundo dos latifundiários, seus preconceitos raciais e de classe impregnaram a epiderme social via manipulação histórica que confunde o real, o herdado dos indígenas com o irreal, o inventado, o folclore se sobrepunha à História.
Em meio à ascensão dos Grêmios Gaúchos o escritor João Simões Lopes Neto publica o livro "Lendas do Sul" em 1912, e entre algumas histórias de ode a farroupilhas para postular sua subserviência de classe, ele também publica uma versão da velha lenda de resistência do negro escravo dos estancieiros do sul, era a lenda do Negrinho do Pastoreio que serviu de inspiração ao artista Vasco Prado que colocou uma obra extremamente crítica ao tradicionalismo míope no coração do latifúndio . . . o município de ALEGRETE, na Praça Rui Ramos (conhecida pelos alegretenses por Praça dos Patinhos . . . apesar de há decadas nem sinal de patos). Sobre a obra (na imagem da postagem) saiu a seguinte notícia no Jornal Correio do povo no ano de sua inauguração:
“O cavalo, com formas desproporcionais, mostra que o animal é mais valorizado que o homem, o qual é representado pelo Negrinho, com uma cabeça reduzida, dado ao seu subdesenvolvimento intelectual; a barriga côncava por que tem fome, porque é subnutrido, e seus braços erguidos pedem paz e mostram que ele se libertou dos grilhões que o prendiam a uma economia [...], enquanto que o cavalo alça vôo em direção a Usina Termoelétrica Oswaldo Aranha, localizada perto da praça, que representa um marco de desenvolvimento da região.” (CORREIO DO POVO,1977 apud GOLIN, 1983, p.94)
Hoje muitos alegretenses nem apercebem-se do significado crítico da obra enquando sorvem seu chimarrão nas imediações.
ABAIXO: fotografia da época da inauguração do Monumento "Negrinho do Pastoreio", de Vasco Prado, no Alegrete, no coração do Pampa Gaúcho. Além do "Negrinho" (CENTRO) e o Artista.
Eric Vargas: Professor de História
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📌📜 SEMANA GAÚCHA... Contos Históricos do RS (conto IV)

A RE_invenção do gaúcho, de regionalismo literário, Partenon de Falsos Deuses em escrita para Fazendeiros endeusados.
Devemos nos orgulhar de nossa identidade, Gaúcha: indígena, mestiça, campeira, nativista, missioneira.MAS... não somos esse "gaúcho" criado pelo MTG!
Terminada a Revolta Farroupilha, com a rendição dos farrapos que foram incorporados ao Exército Imperial Brasileiro, com escravos que lutaram pelos farroupilhas voltando à escravidão e gaúchos voltando a vagar pelos pampas em troca de trabalho sazonal, o latifúndio pecuarista manteria a hegemonia econômica até por volta de 1920/30. Em 1860 Porto Alegre tinha pouco mais de 20mil habitantes, comerciantes tinham medo dos ideais libertários de alemães. Nos pampas o gaúcho errante, mestiço e incorporador dos costumes dos indígenas (charruas e guaranis já praticamente exterminados) também desapareciam. Se tornavam moradores pobres de cidades e vilarejos porque nesta mesma época chegava o arame que cercava as estâncias (famoso arame Gorgom que vinha liso e no recém inventado farpado, 1874). Com isso sumiram postos de trabalho como dos posteiros de estância. A Guerra do Paraguai recém havia acabado, novamente negros foram enganados com promessas de liberdade, foram enviados como "voluntários da Pátria"(Até hoje nome de ruas). A Bombacha se tornava a vestimenta campeira nessa época, foi uma venda de milhares de peças impostas pelo Imperialismo inglês que produziu-as originalmente para o exército turco (pantalonas turcas). Foram dadas várias peças a cada membro da cavalaria gaúcha na Guerra do Paraguai que distribuíram/venderam e a espalharam. E assim, primeiro em histórias orais o "Gaúcho" foi perdendo a conotação negativa (chamar um general farroupilha de "gaúcho" era desculpa para tomar um tiro deles).
O Gaúcho, com o significado que conhecemos hoje, foi sendo inventado pela literatura regionalista do final do seculo XIX. O primeiro trabalho que conferia ao Gaúcho a condição de herói fronteiriço foi obra de ficção de um autor que nunca esteve no RS, José de Alencar, foi o livro "O Gaúcho" de 1870. Em 1868 tinha sido criado em Porto Alegre uma associação de intelectuais, o Partenon Literário (Partenon era o nome do templo à deusa Atena na Atenas da Grécia Antiga) no qual eles escreveriam celebrações às elites locais das quais dependiam. Liderados por Apolinário Porto Alegre e Caldre e Fião, caberia aos integrantes louvar os personagens da Revolta Farroupilha alçados ao papel de heróis que representariam a honra, liberdade e igualdade (mesmo sendo estancieiros escravistas que matavam índios, exploravam os gaúchos errantes e fossem autoritários). NASCIA O MITO DO GAÚCHO! Para dar certo, esta celebração de um gaúcho mitológico criava a falsa idéia que o gaúcho sem nação e errante era um análogo dos cavaleiros da Idade Média quando acompanhava seus comandantes fazendeiros nas batalhas e lidas. Colocavam um rompante europeu que nem lá na Europa existiu na realidade, foi fruto do romantismo. Depois vieram os clubes de "tradição" (baseados nessa romanização irreal da literatura regionalista), os "Grêmios de tradição gaúcha" (1898) e além o MTG (1948) . . . mas isso é papo para os próximos contos destas nossas ilusões que só são desculpas para criar uma identidade que ignora as diferenças de classe entre exploradores e explorados e são desculpa para alguns montarem acampamentos em uma capital que nunca foi farrapa!
Sobre a reinvenção do significado de gaúcho de forma a-histórica com uso de romantismo medieval, lembro da música "Longe demais das capitais" do Engenheiros do Hawaii (1986):
🎵"""Eu sempre quis viver no velho mundo, na velha forma de viver. (...) nossa cidade é tão pequena e tão ingênua, estamos longe demais das capitais!"""🎶
Abaixo: Fotografia "The Gaucho", a mais antiga fotografia conhecida de um Gaúcho. Tirada no norte da Argentina, no ano de 1840, pouco mais de 10 anos da invenção da fotografia. Naquele tempo o fotografado tinha de ficar mais de 20min parado em frente a câmera para uma boa fotografia. Fotógrafo desconhecido!
Éric Vargas
: professor de História e Filosofia da rede pública estadual do RS.